5 de outubro de 2016




 
Um grupo de psicólogos da Polícia Militar do Rio de Janeiro e pesquisadores do Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção da Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ lançou o livro "Por que os policiais se matam", um dos mais completos estudos sobre a problemática do suicídio entre policiais, sob a coordenação da cientista política Dayse Miranda. A pesquisa, divulgada em março deste ano, foi motivada pela percepção de que algumas profissões, como a de policial, têm fatores de estresse maiores do que os da população em geral, o que leva a problemas emocionais e incidência de suicídio  mais elevados. No caso dos policiais, o ambiente de trabalho inclui rotina de agressões verbais, abuso de autoridade e humilhações dos superiores, escala de trabalho exaustiva, risco constante de ser ferido ou morto em uma operação, treinamento e equipamentos aquém do necessário, falta de reconhecimento pela sociedade, baixos salários etc.

Uma das variantes que mais contribui para altos índices de suicídio diz respeito à facilidade de acesso aos meios. É o que alerta a coordenadora da pesquisa: "Vemos uma interface de tensão entre o mundo do trabalho, com o policial sujeito a relações abusivas, e o mundo fora do trabalho, quando o policial doente reproduz relações violentas. Tudo isso num contexto em que o policial tem acesso a uma arma, o que facilita qualquer ato violento. Outros profissionais também têm problemas no trabalho. Mas não têm uma arma na cintura". 

Em dados divulgados à BBC em 2015 (veja matéria aqui), o grupo revelou que, de 224 policiais militares entrevistados, 10% disseram ter tentado suicídio e 22% afirmaram ter pensado em suicídio em algum momento. O estudo concluiu que o risco de suicídio entre policiais é quatro vezes superior ao da população em geral. Os pesquisadores alertam, porém, que os números são ainda maiores, pois há indícios de que muitos suicídios consumados são tratados como acidentes. As razões variam: alguns não querem expor o problema por questões socioculturais, pois ainda há tabu e preconceito em torno do suicida; outros por fatores econômicos, pois ainda há estados em que a família perde direitos se o policial provocou a própria morte.
  

Nessa mesma linha, a pesquisadora Patricia Constantino, responsável pelo estudo "Saúde mental dos agentes de segurança pública", do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli, da Fundação Oswaldo Cruz, afirma que "os policiais relatam profundo sofrimento psíquico, tristeza, tremores, sentimento de inutilidade". "Muitos confessam que usam drogas lícitas e às vezes ilícitas. Os policiais se sentem constrangidos em admitir isso. Muitas vezes o médico que o atende é de patente superior, então ele não vê ali o médico, vê o oficial", acrescenta.

A delegada de Polícia Federal Tatiane Almeida, mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Lisboa, fala da dificuldade que o policial tem em revelar emoções e fragilidades, pois constrói a sua identidade em torno da imagem de força e coragem, inclusive no ambiente familiar e social. “O policial fica isolado da sociedade. Não sabe ser pai, ser marido. Quando perde o distintivo [ao se aposentar], fica sem saber o que fazer. Outro ponto é que está na nossa formação suspeitar sempre do outro. O policial acha que todo mundo é ruim e ele é o herói. E não aceita ser visto como fraco”, diz a delegada.

A saúde emocional desses profissionais deve ser foco de atenção das corporações. Além da preocupação com o indivíduo e sua família, não se pode deixar de reconhecer que um policial com problemas psíquicos como depressão, ansiedade, bipolaridade ou excesso de ira é um perigo para a sociedade, pois pode extravasar seu sofrimento e sua frustração nas ruas, sendo este um dos fatores que explicam a violência e a arbitrariedade comuns nos noticiários.

Luiza
CVV Belém - PA 

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